O processo pede liminarmente o direito de resposta
da comunidade Tupinambá às reportagens, alegando intuito de incitar o
ódio e deslegitimação da luta dos indígenas pela demarcação de seu
território
Por Carolina Fasolo, em CIMI
O Grupo Bandeirantes de Comunicação vai responder a uma ação judicial
por ter veiculado, em rede nacional, duas reportagens com conteúdo
discriminatório e informações distorcidas sobre os conflitos fundiários
no sul da Bahia, responsabilizando caciques do povo Tupinambá de
Olivença por toda a sorte de crimes, inclusive a morte de um agricultor,
e acusando os indígenas de invadir fazendas, ameaçar e expulsar
moradores.
O processo, de autoria da comunidade indígena Serra do Padeiro e do
cacique Rosival Ferreira de Jesus, pede liminarmente o direito de
resposta da comunidade Tupinambá às reportagens caluniosas, transmitidas
pelo Jornal da Band e pelo sistema de radiodifusão do Grupo
Bandeirantes com o intuito de incitar o ódio e a violência da sociedade
contra o povo Tupinambá de Olivença, e para deslegitimar a luta dos
indígenas pela demarcação de seu território, já reconhecido pela
Fundação Nacional do Índio (Funai) como de ocupação tradicional.
A Funai publicou em 2009 o relatório circunstanciado, que delimitou a
Terra Indígena (TI) Tupinambá de Olivença em cerca de 47 mil hectares,
abrangendo partes dos municípios de Buerarema, Una e Ilhéus, sul da
Bahia. Porém, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, desobedecendo
aos prazos estabelecidos na legislação, ainda não assinou a portaria
declaratória, que encaminha o processo demarcatório da TI para as etapas
finais.
As reportagens difamatórias foram ao ar nos dias 25 e 26 de
fevereiro, logo após a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal
(STF), Joaquim Barbosa, de suspender as reintegrações de posse em sete
áreas localizadas na terra Tupinambá. Sem tratar do contexto da
demarcação da terra, o repórter Valteno de Oliveira declara: “Desde que a
Funai resolveu criar a área para os índios a violência impera aqui na
região. Um bando de caciques armados, liderados por Babau, o mais temido
deles, faz o diabo”. A reportagem, levianamente e com informações
inventadas, pinta o cacique Babau, da aldeia Serra do Padeiro, como um
criminoso foragido da Justiça. “O paradeiro de Rosival Ferreira de
Jesus, o Babau, é desconhecido. Ele responde a oito processos, por
estupro, ameaça e destruição do patrimônio público e agora é suspeito,
junto com o cacique Cleildo, de ordenar a execução de Juraci (agricultor
assassinado)”.
“O Grupo Bandeirantes parece desconhecer ou evitar conhecer o
massacre dos Tupinambá ao longo da história, para difundir histórias
inventadas: escondendo o verdadeiro conflito e massacre na região,
inclusive os mais recentes. Ademais, sem nenhuma prova associa indígenas
e, em especial, os caciques, aos crimes mais esdrúxulos, e até mesmo ao
crime de estupro, com vistas a incentivar o ódio social por este povo”,
consta na ação contra a emissora.
O povo Tupinambá de Olivença tem sofrido com um processo de violência
e opressão desde os tempos de colonização. Histórico que as reportagens
ignoraram sumariamente. Apenas nos últimos meses, além do agricultor,
cinco indígenas foram assassinados dentro de sua terra. Três deles
mortos em uma emboscada armada por pistoleiros. Em agosto de 2013, um
ônibus que carregava estudantes indígenas foi atacado a tiros quando
voltava para a aldeia. De agosto até janeiro de 2014, 28 casas no
município de Buerarema – todas de moradores indígenas - foram
incendiadas por grupos ligados aos invasores da terra Tupinambá.
Tropas da Força Nacional de Segurança e da Polícia Federal fixaram em
2013 uma base na área indígena, sendo substituídas pelo Exército
Brasileiro em março de 2014. Os policiais perseguem, agridem moradores e
ameaçam de morte o cacique Babau e seus familiares. Uma carta denúncia
relatando as ações violentas da polícia foi encaminhada à 6ª Câmara do
Ministério Público Federal e ao Ministério da Justiça.
Nenhum desses fatos foi noticiado. “Após todos esses anos, ao arrepio
da história, o mesmo povo, que vem lutando para não ser dizimado, sofre
perseguição midiática, sendo taxado de terrorista, criminoso, assassino
e estuprador, como se nota das reportagens aqui questionadas. O
judiciário não pode quedar-se inerte ante esse atentado aos direitos dos
povos indígenas, muito menos ante as falsas informações injuriosas,
caluniosas e de má fé do canal de televisão réu, numa tentativa de jogar
a sociedade contra aqueles que foram acossados, perseguidos e mortos em
função da gana de não-indígenas pela terra naquela região,
historicamente habitada pelo Povo Tupinambá”, reitera a ação.
O Ministério Público Federal também deve intervir nas fases do
processo judicial, protocolado na última sexta-feira (4) na Justiça
Federal em São Paulo.